terça-feira, 27 de setembro de 2011

a tília


Mais um dia vencido. Não tarda que a sensação de vitória se dilua na sombra da tília. Aí, sim, até os antigos têm conferência. A arte é ser tão natureza que nenhum medo venha assustar o devaneio do folhedo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

mais amoras


O silvedo não se cansa. Os frutos são um pagode de bom gosto, seja caindo em cachos e à mão de quem passa, seja desperdiçando as luzes que trazem dentro e que podemos beber como quem, de boca aberta para a noite, vai respirando estrelas.

domingo, 18 de setembro de 2011

pedra ardida


As coisas ardidas andam esquecidas ainda que sobre elas esvoacem os insectos e as poucas andorinhas dos finais do verão. Pedra branca com sinal de fogo não escolhe quem lhe dá morada na lembrança. Espera a neve e terá sumiço.

sábado, 17 de setembro de 2011

amoras de setembro


Gostamos de inventar novidade na beleza. O verão tem as suas calmas, tem. Reluz ainda nas amoras tardias. A norte reluz ainda nas amoras. Aproximam-se os frescos, e lugares como a Mourela, um planalto na serra, começam a gravar nos rostos a sua geografia, tantas vezes difícil. A beleza continua no ferver das vacas pelos montes, nas urzes e torgos, nas falas mais amenas a prepararem o que aí há-de vir. Virá a repetição, o ciclo das esperas, os níscaros e os choteiros, as castanhas, as matanças e os fumeiros. E lá mais para a frente, outra vez o romper das amoras. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

sísifo entre os mercados


Os olhos incham com a descrença, as mãos colam-se à pedra e vem o musgo, o coração hesita no panorama, entre os frutos do antigamente e as névoas do futuramente. Mais próximo da lavoura do que das ondas da metalurgia, o nosso homem está mais descrente. Talvez por ter aceitado a ruína das mãos sobre a terra, mas... um sopro mais e ele teima.
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Imagem: Street Art, Alexandre Farto

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

os cães por aí



Os cães vêm à fala e dizem, com uma ciência torta
- Vai chover.
E não é que chove?
- Os mercados isto, os mercados aquilo.
E não é que sim, os mercados?
- O futuro já não se aguenta.
É, o futuro aguentou-se. Os cães livram-se de mais falas e desatam a ganir. Infeliz paisagem, esta, que tem de os ouvir.
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Imagem: Piggy, de Damien Hirst

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

mar de setembro

O mar, Debussy e pouco mais. Olho para a nuvem a olhar para mim e é um coelho com uma garrafa de oxigénio às costas. Penso que deve ser por causa das alturas. Baixo os olhos, um homem passa com cachimbo e calções verdes às riscas amarelas. Abre e fecha os olhos a cada passo, e estamos conversados. O sol vai baixo nos seus degraus de andar no horizonte. Quanto mistério, quanta ciência e estamos assim. Ainda se vêem as dunas, alguns cactos, algumas musas, o barquinho “rei dos mares”, o rancho de banhistas que não me deixa de fora, e o mar enrola na praia e tal.
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Imagem: "Mad dogs", de Jack Vettriano

terça-feira, 6 de setembro de 2011

douta ignorância


Um grão de céu vem a ser o quê afinal? A música é que talvez saiba, a música sabe. Abrimos o limão na esperança de um som do limoeiro mais antigo, ouvimos o raspar das unhas na casca do citrino, vem o aroma dos óleos refrescantes e é a música... é a música! Continuamos ignorantes.
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Imagem: Lição de música, vaso grego, 510 aC

domingo, 4 de setembro de 2011

café santa cruz


- Um dia vou contigo e ficamos a morar lá na conversa onde há gravuras antigas tão belas que fazem chorar.
É um café cheio com pessoas sentadas, todas leitoras, um mar de livros abertos, as horas passando sem ninguém dar por isso, as folhas dos livros despertando brisas, alguns cães, na rua, à espera dos donos, céus abertos e fechados, tremelicar de lábios por causa dos sorrisos, e a leitora relê a frase e fica com ela, fecha a boca, os olhos e fica com ela. Talvez seja o café Santa Cruz, em Coimbra. Uma névoa diz que sim. Um dia vou contigo e ficamos a morar lá na conversa onde há gravuras antigas tão belas que fazem chorar – repete, para si, só para si, eternamente para si.
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Imagem: Café Terrace à noite, Vincent Van Gogh